Secret: aplicativo polêmico e inconstitucional
Thiago Jácomo
Nessa semana, o aplicativo Secret chamou a atenção do poder judiciário nacional e também da imprensa brasileira, a partir do caso de um jovem de 25 anos, que descobriu a circulação de informações inverídicas a seu respeito, através desse aplicativo, como a de que seria soropositivo e fazia orgias com amigos.
Além disso, o jovem viu uma foto sua, em que está nu, ser divulgada. Ele não soube explicar como essa fotografia vazou pelo aplicativo, mas afirmou que as outras informações desabonadoras (a de que tem AIDS e de que faz orgias com amigos) são falsas, razão pela qual, ingressou com uma ação judicial e com um pedido liminar para suspender a execução do aplicativo. Ao final, o julgador não apreciou o mérito do pedido liminar, dado que constatou, por meio de uma reportagem, na qual o ofendido figurou como entrevistado, que tais informações já teriam sido removidas.
Um dos maiores problemas do aplicativo Secret é que os autores das publicações são anônimos e, apesar de a vítima desconhecer a autoria das publicações, compartilhamentos e comentários, as informações podem chegar ao conhecimento de colegas, amigos, familiares, entre outras pessoas do meio social e afetivo do ofendido.
A proposta do aplicativo é a seguinte: permitir que usuários compartilhem segredos e imagens de determinadas pessoas, de forma anônima, com outras pessoas que também utilizam o aplicativo. Destaco algumas características desse polêmico meio, extraídas da aba “detalhes do aplicativo”, hospedado na app store: “receberás publicações secretas de amigos, mas não saberás de quem”; “responde de forma anônima”; “quando as pessoas adorarem o teu segredo, ele será espalhado pelos amigos delas e poderão viajar pelo mundo inteiro”.
Esse aplicativo foi criado por estrangeiros e oferecido ao público brasileiro; entretanto os proprietários, norte-americanos, não atentaram para o fato de que as regras brasileiras não são as mesmas dos Estados Unidos, país onde foi criado. No Brasil, aConstituição Federal, em seu artigo 5º, inciso IV, deixa claro que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”! Muito claramente, isso significa que as nossas regras constitucionais devem prevalecer, pois elas buscam, justamente, impedir abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento. Ora, o que o Secret faz é atacar esse princípio constitucional, no rol dos direitos fundamentais, de forma acachapante. De qualquer maneira, causa-me grande espanto que, nos Estados Unidos, um dos berços do constitucionalismo, haja “criações” dessa estirpe.
Note-se que a proibição do anonimato existe, em nosso ordenamento jurídico, exatamente para permitir que o autor da publicação possa sofrer as consequências jurídicas decorrentes de eventual comportamento abusivo, tanto na esfera criminal (crimes contra a honra), quanto na esfera cível (indenização por danos morais, por exemplo). O aplicativo de que falamos, todavia, torna inválida essa preocupação do legislador. Por outro lado, além da regra constitucional, existem outras leis que podem ser aplicadas, em conjunto, a casos parecidos, como o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014).
Diante disso, as leis brasileiras devem ser aplicadas com rigor, evitando divulgações irresponsáveis de informações ofensivas à honra de terceiros, ataques pessoais gratuitos, acusações falsas, entre outras consequências. É na repulsa a essas práticas que a lei se impõe como guardiã do Estado de direito e da própria democracia, o único sistema político capaz de garantir liberdades e direitos individuais. O Secret e os aplicativos afins merecem a nossa reprovação!
Thiago Cordeiro Jácomo - Advogado e Jornalista. Mestre em Comunicação e Jornalismo e Pós-Graduado em Direito da Comunicação Social, ambos pela Universidade de Coimbra (Portugal). Pós-graduando em Direito do Trabalho, pelo IPOG. Sócio do Escritório Fátima Jácomo Sociedade de Advogados.
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