Saúde do Extremo Sul à beira do caos, municípios não têm pra onde mandar pacientes de alta complexidade

NILSON CHAVES


A situação vivida pela paciente Neusa Maria Santos Cunha, internada no Hospital Municipal de Itamaraju no último dia 22 de julho, põe em cheque o sistema de saúde pública da região e acende a luz de alerta, pois o que foi planejado pelos governos Federal e do Estado da Bahia para resolver os problemas de saúde pública dos 21 municípios do extremo sul não está funcionando a contento e, pior: está conduzindo a saúde pública para o caos. 

A história de dona Neusa ganhou notoriedade depois de a justiça determinar que o Estado e o Município deveriam garantir à paciente, o tratamento médico em Unidade de Terapia Intensiva. O problema é que Itamaraju não dispõe do serviço, não está autorizada a oferecê-lo e, apenas os municípios de Teixeira de Freitas, Porto Seguro e Itabuna podem oferecer UTI aos pacientes do SUS no Sul da Bahia. Dona Neusa deu entrada no HMI após ter sofrido um acidente vascular cerebral (AVC), também conhecido como derrame.

Desde que deu entrada no hospital de Itamaraju, dada à gravidade do quadro, e entendendo a urgência do encaminhamento para uma Unidade de Terapia Intensiva, a coordenação do HMI buscou, por inúmeras vezes, a transferência da paciente, mas foi negada por todos os hospitais de referência da região. No dia 1º de agosto, o juiz Heitor Awi Machado de Attayde determinou a transferência da paciente atendendo a uma representação do Ministério Público Estadual.

Na decisão em caráter liminar, foi também determinado o bloqueio imediato de R$ 10 mil das contas bancárias do município como forma de garantir o tratamento da paciente em rede particular caso a vaga não fosse conseguida nos hospitais de referência.

Mesmo tendo ciência da decisão judicial, Teixeira de Freitas, Porto Seguro e Itabuna continuaram negando o pedido de transferência, alegando falta de vaga. Na última quinta-feira (07/08/2014), às 9h da manhã, o promotor de Justiça João Batista Madeiro Neto, emitiu requisição dando prazo de cinco horas para que a paciente fosse transferida.
Nova recepção do HMI 

É bom deixar claro, que as questões que envolvem transferências de pacientes não são de responsabilidade única do município de Itamaraju, mas são, principalmente, dos municípios que assinaram compromisso de atender aos pacientes da alta complexidade que, inclusive, recebem recursos para tal finalidade.

De acordo com a secretária de Saúde de Itamaraju, Gilma Teixeira, quando chegou ao hospital, a paciente necessitava urgentemente ser encaminhada para UTI, mas depois, o seu quadro clínico apresentou melhora e ela passou a necessitar apenas de um leito clínico de neurologia, no entanto, até esse leito foi negado por Teixeira de Freitas e Porto Seguro.

“A demora na transferência não se deu por conta de ingerência ou negligência de nossa parte, no prontuário da paciente estão os documentos que comprovam as inúmeras tentativas que fizemos de transferi-la, mas era sempre negado. A resposta era sempre não temos leito”, conta a secretária. Em casos como o de dona Neusa, Itamaraju só pode encaminhar os pacientes para as cidades de referência, que são primeiro Teixeira de Freitas, depois Porto Seguro, Itabuna e, em último caso, Salvador. 

Só para que o leitor entenda a gravidade do problema, Teixeira de Freitas tem hoje quatro leitos de UTI clínico e Porto Seguro outros quatro, o que já é um número insuficiente para atender até aos pacientes dos dois municípios, imagine para atender aos 21 municípios da região. Com exceção de Teixeira de Freitas e Porto Seguro, nenhum outro município está autorizado a oferecer os serviços de alta complexidade pelo SUS no Extremo Sul.

Trocando em miúdos, na regional onde está o município de Itamaraju, serviços de cirurgia e UTI nas áreas de neurologia, oncologia, ortopedia, cardiologia, entre outros, só podem ser oferecidos por Teixeira de Freitas, e os municípios como Itamaraju, Itabela, Prado, Jucuruçu e Alcobaça, entre outros, estão obrigados a encaminhar seus pacientes mais graves para lá.

De acordo com o médico anestesiologista, José Roberto Penuela Albero, 48 anos, diretor clínico do Hospital Municipal de Itamaraju, falta estrutura na região para o atendimento de especialidades. Quem deveria atender, atende com muita dificuldade, que é Teixeira de Freitas, “eles estão sobrecarregados”, destaca, afirmando que a coisa mais difícil que existe é conseguir uma vaga no HMTF para transferir um paciente.

Diretor clínico do HMI

A verdade é que a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (SESAB) elegeu Teixeira de Freitas como referência, mas Teixeira, a referência de Itamaraju, está fechando as portas para todos os municípios pactuados, ou seja, se depender de Teixeira de Freitas para garantir sobrevida aos pacientes que necessitam dos serviços de alta complexidade, eles vão morrer sem assistência.

Com a dificuldade de conseguir vagas nos hospitais de referência, alguns municípios estão encaminhando seus pacientes para Itamaraju, pacientes que precisam inclusive de UTI estão sendo encaminhados para Itamaraju, que não dispõe desse recurso.

A transferência

Só nesta quinta-feira (07/08/2014) a Secretaria Municipal de Saúde de Itamaraju (SMSI) conseguiu uma vaga para a paciente em Itabuna, graças à interferência de um juiz daquela comarca, entretanto, se deparou com outro problema, a unidade avançada do SAMU, que está dotada com os equipamentos de UTI e poderia fazer a transferência, foi impedida de levar a paciente pela central do serviço em Teixeira de Freitas. O médico de lá chegou a ligar para o médico de plantão em Itamaraju, afirmando que se a ambulância fizesse a transferência ele responderia a um processo administrativo.

“Pra que serve uma ambulância senão para transportar um paciente, temos um paciente em estado grave precisando ser socorrido para Itabuna e a ambulância não pode levar porque não pode transportar para uma cidade com mais de 100 quilômetros de distância, isso é um absurdo”, questiona a secretária.

“Será que a ambulância só tem que servir para trazer o paciente para o hospital, a ambulância é uma UTI móvel e precisa ser utilizada pra salvar vidas”, defende. A secretária Gilma Teixeira afirmou que esse limite de 100 quilômetros é injusto para com os pacientes do Extremo Sul, “estamos a mais de 700 quilômetros da capital e quase 400 quilômetros de Itabuna”. Dentro do limite de 100 quilômetros, Itamaraju só pode autorizar o uso da ambulância para Teixeira de Freitas, e Teixeira não tem mais fôlego para receber os pacientes de Itamaraju.

Para garantir a transferência de dona Neusa, uma ambulância do município teve que ser adaptada com os equipamentos necessários ao transporte da paciente. Um enfermeiro e um médico foram contratados para acompanhar dona Neusa até Itabuna e, quando chegou ao hospital grapiúna, a paciente foi direto para unidade de terapia intensiva.

Sobre o bloqueio de R$ 10 mil para garantir a assistência à paciente, Gilma Teixeira defendeu que Teixeira de Freitas é quem deveria ter sido responsabilizada pelo MP e ter os recursos bloqueados, pois recebe para oferecer os serviços médicos de alta complexidade e não está fazendo, “Teixeira é a referência”, defende. Só no mês de julho deste ano Teixeira de Freitas recebeu do Fundo Nacional de Saúde, para o atendimento a média e alta complexidade, R$ 3,3 milhões. 

Para a secretária, a situação é grave porque o Governo do Estado não dá suporte e o Governo Federal também não, e o município tem que usar recursos de outros setores para cobrir uma área que deveria ser custeada pelos governos do Estado e Federal, “não sei até quando”, indaga. A Procuradoria Geral do Município já informou ao MP e ao juiz da Comarca de Itamaraju da transferência da paciente e solicitou por petição a suspensão do bloqueio dos recursos.

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